O episódio de que vou falar ocorreu há mais de uma semana, mas eu não poderia deixar de o tratar aqui. Que me perdoem os meus leitores.
No programa Quadratura do Círculo, da SIC, António Costa fez críticas impiedosas ao ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, dizendo que a sua intervenção sobre o PEC 4 fora «a mais desastrada e desastrosa comunicação política que alguma vez foi feita em Portugal, senão mesmo no Hemisfério Norte», que essa comunicação dera origem às maiores confusões e equívocos, que o ministro fizera afirmações «que não são reais», e que revelara um enorme «amadorismo
Poderá pensar-se que António Costa deixou escapar estas opiniões levado por uma qualquer exaltação momentânea, não querendo dizer exactamente o que disse.
Mas não.
Na Quadratura do Círculo, António Costa aceitou desde o princípio representar um determinado papel.
Nunca disse o que pensava, disse sempre o que convinha - a si, ao PS e ao Governo.
Defendeu Sócrates e os seus próximos nas situações mais lamentáveis.
Como compreender, então, o ataque ao ministro das Finanças, ainda por cima num momento crítico?
O ataque de António Costa foi tão brutal e inesperado que se ficou à espera que Sócrates saísse em defesa do seu ministro das Finanças, reabilitando-o perante o país.
Mas não se passou nada.
Sócrates, geralmente tão rápido a reagir, ficou estranhamente silencioso.
Mais: aproveitou a deixa de Costa para dizer que existia, de facto, «um equívoco».
Aí, tudo ficou claro.
Ficou claro que esse ataque fora combinado com José Sócrates.
Quando percebeu a tempestade que as declarações de Teixeira dos Santos tinham provocado, o primeiro-ministro acertou com António Costa os termos daquela intervenção, abrindo espaço para apresentar o PEC 4 de outro modo.
Ora, isto é monstruoso.
É lamentável que José Sócrates, para sair de um aperto, tenha decidido friamente queimar o homem que deu alguma credibilidade ao seu Governo durante quase seis anos.
O homem que, em ano eleitoral, aceitou avalizar uma redução do IVA e um aumento dos funcionários públicos acima da inflação.
Um homem que em vários momentos pôs a cabeça no cepo pelo primeiro-ministro.
E é igualmente triste que António Costa tenha aceitado fazer o papel de algoz.
Sobra uma pergunta: como pôde Teixeira dos Santos deixar-se enxovalhar publicamente sem um gesto de revolta?
Quis ser fiel até ao fim, permitindo que o queimassem na praça pública para salvar o primeiro-ministro?
Ou também se deixou iludir por Sócrates - que se tornou especialista na arte de bem enganar toda a gente com a maior descontracção?
Seja como for, estamos perante uma história sórdida.
O primeiro-ministro, tentando sacudir a água do capote numa ocasião de grande aperto, decidiu atirar às feras o seu ministro das Finanças.
António Costa admitiu ser, nesta peça, o carrasco.
E Teixeira dos Santos aceitou ser o cordeiro pascal, sem um gesto de salvaguarda da sua dignidade.
Este episódio é tristemente revelador das falhas de carácter, do maquiavelismo, da ausência de escrúpulos, da natureza perversa - mas também da falta de coragem e da cobardia - da clique que ainda detém o poder.
O ataque de António Costa a Teixeira dos Santos, com a conivência de José Sócrates, foi a cereja no bolo de um certo modo de fazer política.
Tags: José António Saraiva,
. O CONCEITO DE SERVIÇO PÚB...
. ENDIVIDAMENTO PÚBLICO E P...
. A SACRALIDADE DA PESSOA H...
. 200 000
. A VERDADE PODE SER DOLORO...
. IMAGINEM
. PORTUGAL, UM PAÍS DO ABSU...
. CIVILIZAÇÃO Pré-histórica...
. UMA SOCIEDADE SEM "EXTRAV...
. O POVOADO PRÉ-HISTÓRICO D...
. AS INTRIGAS NO BURGO (Vil...
. MANHOSICES COM POLVO, POT...
. NOTA PRÉVIA DE UM LIVRO Q...