“HÁ um triângulo fatal na política portuguesa . Os partidos estão num dos vértices , noutro estão as empresas e no terceiro ficam os negócios . Partidos , empresas , negócios . Os partidos necessitam do dinheiro das empresas para sobreviverem . As empresas precisam dos partidos para fazerem negócios . Os negócios beneficiam em simultâneo partidos e empresas . Nenhum dos lados existe sem os restantes , numa relação por vezes desigual , como na geometria , mas indissociável . Este ensinamento simples , que se aprende nos primeiros anos da escola , constitui também o bê-á-bá- da vida política . De tão elementar que é , passa por vezes ao rol dos conhecimentos vulgares , logo esquecidos .Mas há sempre um momento em que é necessário avivar a memória para certas verdades inquestionáveis , elementares , simples como a sucessão dos dias . A proposta de abolição das portagens na Auto-Estrada do Oeste é um desses momentos .
Da longa polémica que antecedeu a apresentação e a aprovação dessa medida na Assembleia da República (AR) já muito foi dito e escrito . O Governo sofreu uma importante derrota , de consequências imprevisíveis caso a proposta de lei passe no Tribunal Constitucional , para onde certamente o Presidente da República a enviará . De certa forma , pode dizer-se que o Governo está , neste caso , a colher uma tempestade dos ventos que semeou , quando aboliu as portagens na CREL e em Ermesinde . Mas esse facto é importante não para acentuar a luta política que está subjacente ao que se passou na AR , mas para analisar a manifestação surpreendente de existência do esquecido triângulo fatal . Nessa altura , quando o Governo tratou de cumprir uma promessa eleitoral de duvidosa racionalidade empresarial , o caso manteve-se na esfera da política . As grandes construtoras ficaram de fora , não se manifestando . Desta vez , no entanto , essas empresas fizeram ouvir a sua voz . Uma voz crítica da abolição das portagens do Oeste .
Sabemos que assim é porque Manuel Monteiro veio a público denunciar pressões de grandes empresas de obras públicas . Alguns terão ameaçado cortar os financiamentos ao Partido Popular , caso este mantivesse a decisão de votar favoravelmente a abolição das portagens . E sabemos também que assim é porque o responsável de uma dessas empresas criticou o PSD pelo mesmo motivo , em declarações a um jornal diário .
Acontece que a empresa desse gestor concorre à concessão da chamada brisinha do Oeste , que vai receber o troço com portagem agora sob polémica . Neste caso o interesse é evidente. Nos outros, denunciados por Manuel Monteiro, a motivação deve ser semelhante. Estas empresas manifestam-se porque os seus interesses estão em jogo . Se a lei entrar mesmo em vigor , todo o processo de construção de novas auto-estradas fica posto em causa . E as empresas perdem trabalho , numa altura em que já é visível uma diminuição da carteira de grandes obras públicas . Tudo isto é verdade , tudo isto se entende .
È verdade que o futuro pode ser sombrio para as empresas do sector , entende-se que as empresas estejam preocupadas . O que também é verdade é que há aqui algum «atrevimento » dessas empresas , quer na pressão política subterrânea quer na manifestação pública da critica partidária . O que também se entende é que há aqui uma evidente demonstração da confusão entre negócios , política e financiamentos dos partidos .
Das duas uma . Ou as perspectivas dos negócios são piores do que imaginamos , o que pode levar as empresas a alguns actos menos próprios ; ou os partidos estão mais dependentes dos financiamentos das empresas do que se pensa . Em qualquer dos casos esta promiscuidade entre política e negócios , entre partidos e empresas , é tudo menos salutar para o eficaz funcionamento da democracia e da economia . Não se trata só de um problema de aparências . Trata-se sobretudo de um problema de regras de funcionamento do sistema . Existe promiscuidade quando não é claro onde acaba a política e começa o negócio , e onde começa o negócio e acaba a política . Sendo evidente que os dois se cruzam , partidos e empresas têm de aceitar de forma muito clara que nem a política pode interferir nos negócios , nem estes podem determinar a política . Por muito que custe às empresas a decisão de abolir as portagens na Auto-Estrada do Oeste , é uma decisão política votada num órgão eleito, que é a Assembleia da República . Se as pressões sobre os partidos existiram, como foi denunciado, é mau sinal . Sobretudo porque deixa entender que possivelmente muitas outras pressões têm ocorrido noutras decisões e noutras ocasiões . “
CARAS & CASOS - Opinião - Luís Marques