“ (... ) Não há Portugal nem aquele «futuro do passado» de que falava Fernando Pessoa . Não há sentido futurante . Nem da política , nem do país. Não há perspectiva histórica. Eu discordava de Cavaco Silva e combatia a sua política. Mas ele tinha política e projecto. Agora ouve-se Durão Barroso e é um vazio . Infelizmente vai-se a ler a proposta da nova Declaração de Princípios do PS e constata-se que também dela desapareceram a História e a Ideologia . Desapareceu o PS . Falta, como disse Medeiros Ferreira , o código genético de um partido que nasceu no combate à ditadura e se consolidou na vitória sobre a tentativa de impor ao país um totalitarismo de sinal contrário . Falta a matriz ideológica : o PS não é uma frente sem fronteiras , é um partido de esquerda . Saber interpretar as novas realidades , começando por compreender que a grande mudança é a do próprio modo de produção , não significa a diluição nem o fim da esquerda . Há uma linha divisória , como demonstrou Bagão Féliz , ao fazer na AR uma verdadeira proclamação ideológica de direita. O PS tem de acentuar a sua identidade de partido de esquerda , capaz de representar politicamente os que são atingidos pelas políticas neoliberais e uma globalização sem regras. Dar à globalização um rosto humano , regulá-la , fazer com que nela tenham voz os que por ela estão a ser excluídos , eis por onde deve começar a renovação do socialismo democrático . Criou-se a ideia de que renovar é virar à direita . Mas não. (.... ) É sobretudo urgente compreender que , tal como o modelo comunista morreu historicamente , o mesmo pode acontecer ao socialismo europeu, se a sua tendência for a de se autodiluir e continuar a derivar para o centro e a direita .
A história tem de voltar à política e à ideologia também. Para que os sonhos não continuem a morrer no jardim das paixões extintas.”
Manuel Alegre - Expresso 20 Julho 2002