“ Porque se matam os velhos “
“ Uma corda ao pescoço que se prende ao ramo mais forte daquela árvore , escolhida muito tempo antes do acto definitivo ,ou, por uma questão de pudor e de maior recolhimento , à trave-mestra do celeiro em ruínas . Uma pedra como apoio , às vezes um banco para o qual se vai subir e de onde se dará o passo decisivo e último , pensado há muito , iniciado agora mesmo . Por dentro e por fora , apenas o silêncio e a solidão. A alma já estava morta de tristeza e de secura , tanta mágoa sofrida , tanta desesperança ,tanto abandono , tanto vazio e desamparo. Mas tudo isso já passou e já não conta quando o corpo resolve enfim subir ao banco e atirar-se daquela altura , trinta centímetros ,não mais . Um esticão forte, estremece a árvore, um gemido seco e breve, os olhos arregalados, cede que não cede o velho barrote apodrecido e o corpo fica a balouçar uns momentos , antes de se imobilizar para sempre . Nem uma carta de despedida ou explicação . Porque em vida não houve tempo de ir à escola , porque a despedida não vale a pena e a explicação, a existir, não cabe numa carta .”
Expresso 12 Agosto 2000