Sexta-feira, 5 de Dezembro de 2008
A actual crise é muito séria mas não se vê qualquer sombra do desejo de punir o Governo. Com ou sem crise, o Governo resiste.
Pedro Lomba
Teoricamente, as crises económicas matam os governos. Todos os governos. Cavaco Silva sentiu isso na pele em 1993. E há outros exemplos. Se a crise é séria, os governos perdem popularidade. Se a crise é muito séria, os governos perdem o poder. Não é esse, no entanto, o caso do nosso Governo. A actual crise é muito séria, mas o PS continua seguríssimo nas intenções de voto. Não se vê qualquer sombra do desejo de punir o Governo. Com ou sem crise, o Governo resiste.
A prestação da dra. Ferreira Leite pode servir de explicação. Se a alternativa não entusiasma, para quê mudar? Sucede que não pode ser apenas isso porque, mesmo que o PSD não suba nas sondagens, é preciso explicar porque é que o Governo não desce, porque é que a crise não o afecta. Como nunca acreditei que os portugueses “se arrebatassem” com o primeiro-ministro – na verdade, toleram-no –, as razões para este mistério devem estar noutro sítio.
Pois bem. Já se percebeu que o Governo tem aproveitado a crise económica internacional à medida das suas conveniências políticas e eleitorais. Com a mesma falta de pudor a que nos habituou noutras circunstâncias, este Governo só está interessado numa coisa: passar incólume por este tempo de crise, desviando atenções e responsabilidades para tudo o que se passa fora do país. A crise, de facto, não começou em Portugal.
Repararam que Sócrates ou Manuel Pinho, por exemplo, cada vez que falam da crise económica, dizem o mesmo. Comparados com o que se vê no exterior, argumentam eles, nós até nem nos podemos queixar. O mundo inteiro está a ir para trás, mas Portugal vive só estagnado. É melhor do que nada. O subtil raciocínio é que devemos ficar contentes só porque não estamos pior do que os outros. Até a Irlanda, vejam bem, a mítica Irlanda do crescimento acelerado dos anos 90, entrou em recessão. Não é óptimo vivermos num Portugal sempre igual a Portugal e termos um primeiro-ministro que, pelo menos, nos aguenta no nosso atraso?
Já ouvi isto em qualquer lado. Durante o grosso do nosso século XX foi dito aos portugueses que deviam aceitar o que tinham, que não deviam espernear muito. O mundo lá fora era perigoso. Éramos o que éramos. Agora temos uma nova versão deste argumento. Estamos bem porque o mundo está pior. Aceitem e fiquem felizes. Será preciso repetir que nenhuma crise, por mais grave que seja, pode justificar os males da nossa economia nos últimos dez anos? Que nenhuma crise pode justificar a década perdida que foi 1995-2005? Que nenhuma crise pode isentar o Governo de responder pelas políticas que tem em prática e por aquilo que faz e não faz contra a crise especificamente portuguesa em que já estávamos metidos antes de sermos expostos à crise internacional? E isto não é evidente?
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Pedro Lomba, Jurista