O número de funcionários públicos no nosso país é uma das questões sistematicamente referidas quando o problema do défice público é abordado. O peso das despesas com o pessoal das Administrações Públicas no PIB indicia que o número de funcionários públicos em Portugal é excessivo quando comparado com a realidade europeia: é isto, pelo menos, o que se pode concluir quando se comparam os cerca de 14% que pesa na nossa economia a folha salarial da função pública contra os cerca de 10.5% que pesa na UE-25 ou os 10% que pesa na Zona Euro.
E sabe-se igualmente que, entre 1996 e 2000, foram contratados mais de 130 mil novos funcionários (em termos líquidos, isto é, descontando já aqueles que saíram ou se reformaram), num período que contribuiu decisivamente para a deterioração das nossas contas públicas e para o problema (de um défice excessivo) que, ainda hoje, continua por resolver (já agora: quem estava no Governo nessa altura, quem estava?...).
Porém, até agora, dada a escassez de estatísticas credíveis que pudessem comparar o número de funcionários públicos em Portugal com o resto da Europa, íamo-nos ficando pelos indícios ou pelas sensações. Mas isso foi até ao mês passado. É que uma reportagem - por sinal muito bem conseguida - do jornal "Correio da Manhã" do passado dia 20 de Novembro, com base em dados do Eurostat, prova, preto no branco, que no universo da Administração Pública Central (isto é, o Estado Central e excluindo as Administrações Locais e Regionais), a tese do número de funcionários públicos em excesso é mesmo real. Os dados da figura em anexo são (assustadoramente) reveladores.
A coluna do número de funcionários públicos do Estado Central em cada país diz, evidentemente, pouco ao leitor, pois este indicador é pouco revelador quando tomado em termos absolutos. O caso é, porém, diferente, se compararmos o número de habitantes em cada país com o número de funcionários públicos. É esta realidade que as barras horizontais à direita, seguidas do respectivo número e ordenadas por ordem crescente, mostram. Naturalmente, e em princípio, quanto mais elevado for o número de habitantes por funcionário público, melhor: maior será a eficiência e a organização na Administração Pública de um país (além dos menores custos - leia-se, menores impostos - que daí resultam para todos os contribuintes).
Do mesmo modo, quanto mais baixo for o rácio acima referido, pior. Ora, o que se constata é que, infelizmente, Portugal surge em primeiro lugar, ou seja, é o país em que este indicador é mais baixo: apenas cerca de 18 habitantes por funcionário público, logo seguido pelo Luxemburgo com 19. Na Europa (UE-25) existem, em média, cerca de 31 habitantes por cada funcionário público da Administração Central, na vizinha Espanha este rácio é quase o dobro do nosso (36) e nas três primeiras posições surgem a Finlândia (com 46.5), a Lituânia (44.7) e a Polónia (com 42.3).
É certo que não foi possível conhecer as estatísticas relativas às Administrações Locais e Regionais, mas também é verdade que é na Administração Central que se concentra o maior número de funcionários públicos (como se pode constatar pelo caso português, em que, de acordo com o Governo, as Administrações Públicas empregam pouco menos de 778 mil funcionários, dos quais 568 mil se encontram no Estado Central) - pelo que esta realidade é já muito reveladora.
Estas estatísticas provam, assim, a urgência de uma reforma da Administração Pública em Portugal - e, nomeadamente, de uma reforma da Administração Central. Apesar de estar (muito) atrasado, o Governo prevê que o famoso PRACE comece a ser aplicado em 2007. Sinceramente, espero bem que tal aconteça? mesmo! É que a sua entrada em vigor estava prevista ainda para 2006 - mas só no final de Outubro foram publicadas em Diário da Repúblicaas leis orgânicas dos Ministérios com as novas macroestruturas, para as quais se continua a desconhecer que poupanças deverão gerar, se é que deverão gerar algumas poupanças de todo... até porque, ainda recentemente, o Ministro das Finanças declarou, a propósito deste assunto, que "ninguém ficará a perder no processo de revisão de carreiras, vínculos e remunerações" na Administração Central do Estado. Isto para além de, em várias ocasiões, ter repetido que tinha "sérias dúvidas de que existissem funcionários públicos a mais". Depois dos números atrás apresentados, se não é uma brincadeira de mau gosto, parece?
Enfim, uma palavra ainda para as reacções dos sindicatos da função pública à reportagem do "Correio da Manhã" (e na posse dos dados do Eurostat): a coordenadora da Frente Comum referiu que "até hoje ninguém conseguiu provar que há funcionários públicos em excesso"; um dirigente da Frente Sindical da Administração Pública afirmou que "este é mais um problema político do que real"; um dirigente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado disse que "aquilo que queremos é que o país tenha um melhor serviço público, isso é que é fundamental" e frisou que "Portugal está na cauda da União Europeia em matéria de número de funcionários".
Mais palavras para quê?!... A não ser que os dados do Eurostat estejam absolutamente desfasados da realidade, confesso que nem queria acreditar no que lia no "Correio da Manhã"?
Portugal está, de facto, num dos extremos da União Europeia no número de funcionários públicos - mas infelizmente está no pior extremo. E sem dúvida que o problema é político: pois se foram os vários governantes (uns mais, outros menos?) que ao longo dos anos contrataram todos os funcionários públicos hoje existentes, é também a eles que compete enfrentar e resolver o problema. Espero pois que quem governa neste momento tenha coragem para promover as alterações necessárias (e que há tanto tempo têm vindo a ser adiadas?), mas todos os sinais que vão sendo transmitidos deixam muitas dúvidas que desta vez seja "a sério". Além das declarações que vão sendo emitidas (e a que já acima fiz referência), basta lembrar, por exemplo, o desprezo com que a proposta das rescisões amigáveis (devidamente negociada com Bruxelas e com recurso à emissão de dívida pública), efectuada pelo presidente do PSD em Maio deste ano, foi recebida? E já agora: o país da Europa melhor classificado nesta matéria é, como se viu, a Finlândia - que é muitas vezes citado como exemplo a seguir em várias áreas pelo primeiro-ministro. Pois aqui fica uma sugestão ao engenheiro Sócrates: faça lá também da Finlândia um modelo a seguir nesta matéria. Isso é que era!...
Quanto aos que fingem não ver o que se passa e assobiam para o lado - como acontece com as organizações sindicais atrás citadas -, acabam por fazer mais parte do problema do que da solução...
Os dados do Eurostat vêm confirmar a certeza que já se tinha: existem funcionários públicos a mais em Portugal. É mais do que tempo de agir em conformidade
JORNAL DE NEGÓCIOS - Publicado 12-12-2006