Sempre nutri pelo bispo D. Manuel Martins uma enorme consideração. Contra tudo e contra todos nunca se calou perante as injustiças a que assistia. Aquando da sua longa passagem por Setúbal denunciou a fome em que viviam muitos milhares de pessoas, tendo recebido do então primeiro-ministro, Mário Soares, uma reprimenda por não saber o que era fome. Isso era coisa que se passava no Biafre.
Numa longa entrevista ao SOL, D. Manuel mostra a sua lucidez a falar dos males de que enferma a sociedade. Tal como no passado, não tem receios em dizer de sua justiça. Lamenta que os «sindicatos sejam correias de transmissão, manifestações ou clubes partidários que dependem de ideologias. Está a acontecer com os sindicatos o que aconteceu com os partidos: nem os partidos têm ideologias ou filosofias, são clubes de interesses, nem os sindicatos têm filosofias próprias, têm a filosofia do partido».
Enfrentou a hierarquia religiosa quando defendeu Timor, e em tantas outras ocasiões, e não se arrepende de ter deixado a diocese de Setúbal antes de completar 75 anos: «É melhor dizermos ‘que pena ter saído’ do que ‘fez um bom trabalho, mas agora...’».
Não creio que alguma vez D. Manuel Martins tenha lutado contra os ricos. Mas sempre o vi lutar contra a pobreza e a miséria.
P.S. A partir desta edição e durante 14 semanas publicaremos a história de Alípio de Freitas que se fez padre em Trás-os-_-Montes antes de partir para o Brasil em 1957, onde foi dar aulas numa universidade e lá encontrou o sentido da sua vida: ajudar os camponeses, os pobres e os esquecidos. Acabou na prisão, deixou a Igreja e esteve exilado em Cuba. No regresso ao Brasil tornou-se amigo de Elis Regina e Gilberto Gil, entre muitos outros. Aos 80 anos, acedeu contar as suas memórias à jornalista do SOL, Ana Cristina Câmara. Um trabalho que poderá ver nas páginas finais da Tabu.
vitor.rainho@sol.pt