Quarta-feira, Dezembro 15, 2004
As Scuts ou Shadow Tolls, termo técnico inglês que define um sistema de portagens sem custos para o utilizador, foi introduzido em Portugal sob a égide do Eng.º Guterres, e numa lógica que rompe com o modelo até então definido para a construção/exploração de vias rápidas e auto-estradas em Portugal.
Para que não fiquem dúvidas, defendo o princípio do utilizador-pagador mas reconheço nas Scuts alguns méritos assim como algumas críticas, sobretudo no campo da execução financeira, e dos riscos associados.
Como diz implicitamente e bem o blog Irreflexões , a sociedade portuguesa, das SCUTS, apenas conhece o seu efeito visível e de impacto monetário nos bolsos do contribuinte que quando utiliza a auto-estrada, paga ou não.
Discutir de uma forma coerente as SCUTS, é assim relativizar sobre os seus custos e raramente a sociedade portuguesa tem sido colocada à prova, com questões sobre a verdadeira utilidade em termos de criação de riqueza nacional com estradas sejam elas SCUTS ou não, e se hoje estar na moda é ser contra as SCUTS ou a favor delas, ao menos que nos expliquem a nós, algo mais do que o conceito associado.
O processo SCUT não é mais que uma vã tentativa de se erguer obra sem possuir recursos financeiros para tal alongando no tempo esses custos, diluídos de uma forma que extravasa o modelo tradicional, através de um mecanismo de cobrança virtual com um ponderador de flutuação de tráfego no futuro e com fortes restrições durante o período da concessão na construção e beneficiação de vias principais adjacentes.
Em primeiro lugar e porque falamos de estradas, importa perceber qual era e qual é hoje a verdadeira necessidade de construirmos auto-estradas de uma forma alargada e extensível a todo o país. Serão as estradas, elemento hoje indispensável ao desenvolvimento do país.
Foram-no de facto na década de 80, quando nem entre Lisboa e Porto, a ligação estava completa. Hoje e para uma país pequeno como o nosso, quer em dimensão quer em economia, o retorno que se obtêm pelo investimento público é algo que vem sendo mais difuso, face as externalidades que lhe estão associadas.
Percebemos que as SCUTS são mais caras, custo esse que se repercute a longo prazo, ao invés do modelo tradicional. O exemplo gritante é a SCUT da Beira Interior, onde a mesma estrada custa sensivelmente mais 600 milhões de euros em regime SCUT do que efectuada em forma tradicional.
Dando uma vista de olhos em gráficos das três Scuts citadas, chegamos à seguinte conclusão :
- Scut da Beira Interior
- SCUT da Costa de Prata
- SCUT do Algarve
As SCUTS na sua versão original deveriam ser vistas como uma forma de discriminação positiva, mas transformaram-se num autêntico elefante branco e a pagar em vários anos.
Em segundo lugar, um dos argumentos mais utilizados para defender as Scuts, passa pela capacidade ou não do Estado possuir recursos e/ou restrições orçamentais que lhe permitam efectuar a obra. Por outras palavras, se a obra tiver mesmo que ser realizada, o que o regime SCUT permite é fazer a obra, sem onerar no imediato mas sim onerando a longo prazo.
Assim e no caso português, qualquer tentativa de análise que envolva o Estado Português não é exequível, uma vez que o Estado não possui capacidade para se endividar em tal grandeza.
Pior, parece ser o facto de como atesta o quadro abaixo, e recordo apenas para as três SCUTS acima indicadas, o Estado português ter que dispender, nos períodos assinalados os seguintes montantes:
O quadro acima mostra-nos que no período de 2011-2015, o Estado terá que pagar pelas SCUTS mais 155 Milhões de Contos do que se optasse pelo regime tradicional. Por outras palavras o Estado terá que "arranjar" no período 2011-2015 cerca de 750 milhoes de euros em receitas acrescidas para suportar o custo das SCUTS.
Parece-me a mim evidente, que a aceitação pública do dever de pagar de impostos apesar de depender em elevado grau da demonstração da qualidade das despesas que o esforço dos contribuintes permite ao Estado realizar, não pode servir como argumento para que se realizem obras desta envergadura e com este impacto financeiro futuro, sem pelo menos acautelar os riscos que lhes estão associados.
Ora, tal pensamento, ainda se torna mais relevante quando as SCUTS acarretam despesa pública.
Em terceiro lugar, o maior erro no projecto SCUTS, passa pelo impacto no rebatimento da estratégia do Plano Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (PNDES) sobre o domínio da política de acessibilidades.
Quando em 1996 começou a ser discutido, e quando cedo se percebeu que a alta qualidade em domínio de transportes requerido como o TGV, um novo aeroporto e novas estradas, tal investimento não se coadunava com o método tradicional de disponibilização de serviços públicos de mobilidade implicando a realização de grandes infra-estruturas num curto período de tempo.
Ora, para um país como o nosso que só hoje discute o projecto TGV e que aparentemente adiou o novo aeroporto, porque que razão decidiu em 1996 , construir cerca de 1.100 kms em regime SCUT ?
Em quarto e último lugar, os riscos associados ao regime SCUT não são assim tão despreziveis quanto pareça.
- Risco de flutuação de tráfego
- Risco associado à construção
- Risco associado ao rendimento obtido nas SCUTS
- Risco Político que determine o rendimento nas SCUTS
Como já por aqui falamos, o Estado ao enverdar pelas SCUTS, está a criar o elefante “Lusoponte II“. Assumindo contratualmente a responsabilidade de que por ano passarão por determinada estrada um determinado número de automóveis. Ora isto induz nas restantes redes viárias controladas pelo Estado e sobretudo naquelas que possam surgir como alternativas, um natural desleixo do Estado na sua manutenção, por forma a induzir os condutores a entrarem nas SCUTS.
Um dos dilemas do governo de António Guterres, na pessoa de João Cravinho, era porque razão não há apenas concessão com portagem real. Isto é, porque razão deve o Estado -melhor, a generalidade dos contribuintes dentro da mesma geração – substituir-se aos utilizadores no pagamento dos serviços rodoviários prestados?
A resposta parece ser simples. Os contribuintes dentro da mesma geração e sobretudo e mesmo admitindo que os contribuintes da próxima geração sejam mais ricos que os da geração actual, não podem de forma alguma financiar via orçamento geral de Estado algo que não só não gera rendimento duradouro para a sociedade, como compromete no futuro investimentos esses sim necessários em devida altura.
Mesmo que seja defensável o investimento em estradas, não é da forma em que gerações futuras ficarão com um encargo enorme, sem terem sido elas as responsáveis por tal decisão.
Poderemos dizer porque razão hão-de as gerações de hoje pagar por utilizações que servirão as gerações futuras ?
A resposta é dada no mesmo sentido, porque hão-de as gerações de amanhã pagar pelos erros dos governantes de hoje ?
Publicado por - António Duarte