A cerca de duas semanas de entrar em vigor, o novo regime jurídico do divórcio foi alvo de debate por parte de especialistas. A apreciação global não foi totalmente positiva, com os conferencistas a darem exemplos caricatos do que as alterações agora permitem. O aumento exponencial de processos em tribunal, bem como dos conflitos relacionais após o divórcio são algumas das consequências negativas apontadas.
Este diploma é como um fato velho: mais vale fazer um novo que andar a remendar o velho”. Quem o disse foi Carlos Poiares, director da Faculdade de Psicologia da Universidade Lusófona, durante o debate-conferência sobre o novo regime jurídico do divórcio e as responsabilidades parentais, promovida pelo conselho distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados e pela Associação “Pais para Sempre” que teve lugar esta terça-feira. Uma noite em que muitas críticas foram proferidas à nova legislação. Já José Eduardo Sapateiro, juiz desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, acredita que se vai deixar de falar em divórcio religioso, pois torna possível a separação legal sem consentimento de um dos cônjuges. “Este novo diploma pretende facilitar o divórcio, o que vai incrementar o aumento dos mesmos”, defendeu.
O juiz salientou também o facto de a lei agora não fazer distinção entre o culpado e o não culpado, embora o “afastamento da culpa vá trazer algumas fragilidades, como a ‘lavagem de roupa suja’ nas acções de responsabilidade„ civil após o divórcio”.
Quanto aos aspectos positivos, José Eduardo Sapateiro refere o fim do crime de desobediência no caso da violação das responsabilidades parentais e a cessação da afinidade, isto é, as linhas que definem o parentesco só não cessam pela dissolução do casamento por morte (artigo 1585°).
Celso Manata, procurador coordenador do Tribunal de Família e de Menores de Lisboa, dá uma nota geralmente positiva ao novo diploma. No entanto, acredita que a regulação do poder paternal se vai agravar, uma vez que “o conflito sobre as consequências do divórcio vão aumentar, bem como o desgaste e a crispação das partes (vai-se notar sobretudo o enfraquecimento da parte que fica com os filhos) e a pensão de alimentos passa a estar limitada”. Para além disso, Celso Manata afirma que a “complexidade processual vai ser mais elevada, porque o tribunal continua sem conseguir pôr as duas partes a comunicar, a mediação ainda não é uma realidade”.
Responsabilidades parentais
Carlos Poiares diz que em vez de se falar em ‘responsabilidades parentais’ se deveria usar o termo ‘parentalidades’, já que existem deveres e direitos. Por sua vez, Celso Manata tem dúvidas igualmente sobre este capítulo, uma vez que “no dia-a-dia há demissão das responsabilidades”, acreditando que a “responsabilização criminal pode ajudar através dos mecanismos de coacção”. Com é feito, Manata criticou também o facto de se ter separado a questão da alimentação das responsabilidades parentais, para além de que só no caso de a conciliação entre os pais falhar é que o tribunal irá ouvir os menores a partir dos 12 anos, uma medida contestada pelos especialistas, pois “uma criança com oito anos, por exemplo, que se agarra à perna da mãe a chorar já sabe o que quer”.
“Um pai que entregue as crianças sempre com cinco minutos de atraso está sujeito a um processo, é um caso que esta nova lei permite”, exemplificou o procurador.
Compensação difícil de contabilizar
Alexandre Sousa Machado, professor de Direito de Família e advogado, referiu a questão do decreto de compensação (artigo 1676°), arrancando caricatamente risos entre a plateia, devido à linha de pensamento implícito no artigo. De acordo com as alterações à lei, se um cônjuge teve um contributo manifestamente superior financeiramente tem direito a ser compensado, tornando-se credor do outro. Vejamos o exemplo dado: após 20 anos de casamento, o ex-cônjuge A, na partilha, apresenta contas dos valores com que contribuiu para a vida em comum e fica credor de B, se este não souber demonstrar os valores com que contribuiu. Como é que se vai quantificar, por exemplo, o valor/hora em que se passaram as camisas ou lavou a roupa ou prestou assistência ao outro, em troca daquele poder beneficiar de um emprego fora de casa?
Sousa Machado defende que esta situação não é razoável, pois “entra-se num ambiente de desconfiança e de contabilização que vai contra a economia comum do casal, acabando por desvalorizar o casamento em si”. “A manutenção dos deveres conjugais e parentais é posto em causa neste diploma sem benefício para as pessoas”, terminou.
O que o novo diploma prevê
O Parlamento aprovou no passado dia 4 de Julho, em votação final, as alterações à lei do divórcio, que põem fim ao conceito de divórcio litigioso e acaba com a noção de violação culposa dos deveres conjugais.
A proposta mereceu os votos favoráveis do PS, PCP, BE e de seis deputados do PSD. CDS-PP e restantes parlamentares do PSD votaram contra.
O diploma prevê que o divórcio “sem o consentimento de um dos cônjuges” pode ser requerido com base na “separação de facto por um ano consecutivo”, na “alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a vida em comum”. São ainda fundamentos “a ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano” e “quaisquer outros factores que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento”.
No âmbito do Código Penal, alarga-se a tipificação da violação do exercício das responsabilidades parentais e alteram o regime sancionatório. No crime de subtracção de menor, as penas diminuem, mas alargam-se as situações possíveis de serem punidas. Assim, “é punido com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias” quem “de modo repetitivo e injustificado, não cumprir o estabelecido para a convivência do menor na regulação das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento”. Também quem falhar a prestação de alimentos durante dois meses será sancionado com multa até 120 dias e se o incumprimento se repetir, poderá ser aplicada uma multa até 120 dias ou pena de prisão.
Mulheres juristas assinam petição pela alteração da lei
A Associação Portuguesa de Mulheres Juristas defende uma revisão da lei do Divórcio e é uma das organizações que apela ao veto de Cavaco Silva. Um grupo de juízes, professores de direito e advogados está a reunir assinaturas para uma petição a enviar ao Presidente da República, apelando ao veto da nova lei. Estão em causa os direitos fundamentais das crianças, diz a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas. Clara Sottomayor acredita que o princípio geral, criado pela nova lei, que estabelece o exercício em conjunto das responsabilidades parentais depois do divórcio, vai trazer consequências penosas para os menores. ” Isto aumenta a conflitualidade e dá direitos a pais que não cumprem as suas obrigações, ou seja, mesmo que não paguem [a pensão de] alimentos, mesmo que não visitem os filhos, podem, ainda assim, exercer o direito de veto sobre o progenitor que conhece melhor a criança, que lida com ele ou com ela no dia-a-dia”. Clara Sottomayor, da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, é uma das signatárias da petição que apela a Cavaco Silva que vete a Lei do Divórcio.
SEMANÁRIO | 25.07.2008
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