Vi ontem a entrevista de Ferreira Leite a Judite de Sousa, e muito rapidamente me arrependi. Não por causa de Ferreira Leite, que disse o que eu esperava (e queria) que ela dissesse, mas por causa de Judite de Sousa, uma péssima entrevistadora que, vá-se lá saber como, chegou onde chegou. Sempre que vejo uma entrevista conduzida pela jornalista da RTP, perco a cabeça, irrito-me, grito insultos em direcção à televisão. Judite de Sousa até já conseguiu pôr-me a simpatizar com Sócrates, de tal maneira as suas entrevistas me põem fora de mim.
Ontem, por exemplo, disse em tom indiginado que o programa do PSD “não pode ser só uma folha A4″. Manuela Ferreira leite disse que não seria, mas e se fosse? mais vale uma folha A4 de compromissos que as pessoas compreendam e sejam para cumprir, do que 200 páginas de propaganda que ninguém lê e não são para levar a sério. Um pouco mais à frente, mostrou a sua surpresa por Ferreira Leite dizer que o programa a ser apresentado daqui a uns dias não seria diferente do que ela tem vindo a dizer. Judite de Sousa logo se mostrou surpresa por o programa não ter “uma novidade”. Não lhe ocorre, claro, que os programas não servem (ou não devem servir) para ter “novidades”, mas para submeter aos eleitores a visão que um determinado partido ou candidato tem do país: se um programa tem muitas “novidades”, o candidato ou está a mentir ou nem tem visão nenhuma (ou, no caso de Sócrates, ambas as coisas).
Só mesmo a obsessão dos jornalistas portugueses com as “novidades”, as “caras novas”, as “ideias novas” (há uns dias, no DN, até a parvoíce da bandeira do 31 da Armada passava por uma demonstração de que “há uma direita com ideias”), que passam por “boas” independentemente da qualidade só porque são “novas” (às vezes nem isso, como se vê pelo caso de Passos Coelho, que não só é uma nulidade, como já o é há muitos anos), explica o choque com que Judite de Sousa olhou para a ausência de “novidades” no programa do PSD.
Já mais perto do final da entrevista, Judite de Sousa perguntou a Ferreira Leite qual era o compromisso da líder do PSD em relação ao crescimento económico. Aqui, só mesmo a ignorância explica a pergunta de Judite de Sousa, que não compreende (e Ferreira Leite, coitada, bem tentou explicar-lhe) que nennhum político se pode comprometer com o que quer seja em relação ao crescimento económico, porque o Governo não é o responsável pelo crescimento económico, que depende de muitos factores que nenhum Governo pode controlar. Pedir a Manuela Ferreira Leite que se comprometa com um qualquer valor para o crescimento económico seria o mesmo que pedir-lhe que diga se promete a qualificação da selecção nacional de futebol para o Mundial de 2010: em ambos os casos, ela nada tem a ver com isso. Aliás, com tantos assuntos acerca dos quais Judite de Sousa queria saber a opinião de Ferreira Leite, não me espantaria nada que a dada altura lhe tivesse perguntado o que é que ela pensava acerca do trabalho de Jorge Jesus no Benfica, dos méritos ou deméritos do losango de Paulo Bento, ou se é ou não “fácil expulsar o Hulk”. São questões tão apropriadas para alguém que pretende exercer o cargo de Primeiro-Ministro como algumas das que Judite de Sousa lhe colocou.