E a maioria dos comentadores foi no mesmo sentido, usando sinónimos como «fatal», «assassino», etc.
Ora é evidente para qualquer pessoa que Manuela Ferreira Leite não tem aquilo a que se chama ‘facilidade de expressão’.
Mas terá isso muita importância?
Ou tem sobretudo importância para os jornalistas, sempre prontos a apontar as gaffes e as contradições?
Falar bem, de facto, não é hoje decisivo na política.
Já foi mais.
O Nobel da Economia Paul Krugman diz que «existe um abismo entre a retórica e a política».
E quantos políticos já vimos a falar maravilhosamente mas a falhar redondamente na acção?
Um dos casos mais nítidos foi Mário Soares – que se impôs como brilhante tribuno, na linha dos políticos republicanos, mas que verdadeiramente nunca brilhou como primeiro-ministro.
E que dizer de António Guterres, a quem todos elogiavam a eloquência e o ‘dom da palavra’?
Um dia chamei-lhe «o homem que fala bem demais» – dizendo que ele falava tão bem, tão bem, tão bem, que transmitia uma impressão de falta de autenticidade.
Mesmo quando intervinha totalmente de improviso, parecia estar a debitar um discurso ensaiado.
E a verdade é que o falar muito bem não lhe serviu de nada: demitiu-se do Governo sem honra nem glória a meio do mandato.
Inversamente, temos pessoas que não falavam bem e foram óptimos governantes.
Cavaco Silva, por exemplo, que é quase unanimemente considerado o melhor primeiro-ministro do pós-25 de Abril, não falava (nem fala) bem.
Tem notórias dificuldades de expressão – optando por falar pouco, quase sempre através de frases curtas, e mesmo assim comete alguns deslizes.
Este exemplo leva-nos a pensar se não haverá uma incompatibilidade entre o fazer e o falar.
Aqueles que falam muito bem têm frequentemente dificuldade em passar do falar ao fazer – e aqueles que prezam sobretudo o fazer não têm muitas vezes grande jeito para falar.
O facto de Pacheco Pereira ter dito que Ferreira Leite por vezes se «enreda» no discurso não é, pois, nada do outro mundo (e muito menos «mortal», como comentou António Costa).
Pode até vir a revelar-se uma vantagem.
Porque transmite uma imagem de maior seriedade, maior autenticidade, uma imagem que se distancia mais do ‘vendedor de banha da cobra’.
Curiosamente, no sábado passado, olhando distraidamente a televisão, vi aparecer Barack Obama a retractar-se em público, dizendo não ter escolhido bem as palavras de um comentário sobre o comportamento da Polícia.
E, assim sendo, pedia desculpa pelo sucedido.
O homem que os americanos elegeram por falar bem, por usar brilhantemente a retórica, por fazer renascer o sonho através das palavras, também confessa que por vezes erra na sua escolha.
E dá uma ideia contrária daquilo que queria dizer.
Como estranhar, então, que isso aconteça a Manuela Ferreira Leite – cujo forte não é, de facto, o dom da palavra?