Com as férias parlamentares encerra-se, na prática, a mais longa legislatura do regime democrático. Fazem-se balanços da actividade governativa e do comportamento das oposições. Avalia-se a deplorável situação da economia e das finanças, bem como o desempenho das instituições e o estado geral da nação. Esgrimem-se as cifras terríveis do desemprego e do défice, invocam-se argumentos a favor e contra as políticas seguidas nestes quatro anos e meio.
A maior parte desses balanços ilustram-se com números, índeces e percentagens. Mas há um balanço imaterial a fazer do período correspondente a esta legislatura que não é só da responsabilidade do Governo e tem pouco que ver com progressos ou retrocessos na economia e no bem-estar da população. É um balanço de factos com consequências que não se podem quantificar nem avaliar com rigor, sabendo-se apenas que são devastadoras para a imagem da democracia portuguesa.
Esta foi a legislatura em que vários autarcas a contas com a Justiça voltaram a concorrer e ganharam, depois de repudiados pelos respectivos partidos. Esta foi a legislatura em que os partidos políticos, sem excepção, se arrogaram o direito de se financiarem, em plena crise, muito para lá dos limites do razoável e em condições de transparência mais que duvidosa. Esta foi a legislatura em que correram processos fundados em suspeitas de financiamento ilegal dos partidos políticos. Esta foi a legislatura em que pela primeira vez, o nome de um primeiro-ministro foi citado num processo por corrupção. Esta foi a legislatura em que um Governo de maioria absoluta esteve à beira de perder uma votação importante porque 11 dos 230 parlamentares decidiram ir de fim-de-semana mais cedo, prática regular nos fins de semana prolongados. Esta foi a legislatura em que um ministro saiu de cena por ter feito cornos no Parlamento, mas em que deputados ficaram impunes, apesar de terem tido comportamentos não menos indignos. Esta foi a legislatura em que o procurador-geral da República, descontente com a qualidade de redacção das leis, de que também se queixou o Presidente da República, passou aos senhores deputados um atestado de analfabetismo, pedindo-lhes o favor de tirarem as vírgulas entre o sujeito e o predicado. Esta foi a legislatura em que um banco apareceu aos olhos do país como um antro de vigarices disfarçadas de negócios, alegadamente protagonizadas por ex-dirigentes de um mesmo partido, dois ex-ministros e um secretário de Estado, que vêm desfilando, para nossa vergonha colectiva, perante um juiz de instrução.
Tudo isto e um clima de suspeição generalizada em torno de projectos e negócios do Estado com grandes empresas privadas - nas quais pontificam quase sempre figuras gradas da política, contratadas para que mais facilmente se exerça o velho tráfico de influências - causaram mais dano do que a crise económica e financeira. São a expressão de uma doença nacional que vem de longe e a que ninguém dá mostras de querer pôr fim. Esta crise que mata a confiança dos eleitores nos seus eleitos é a mais grave ameaça que o país enfrenta. Devia estar no centro das preocupações dos partidos que, daqui a poucas semanas, vão pedir de novo o voto dos portugueses.
Expresso 25-07-2009
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