Surpresa é talvez a reacção mais natural perante os números do desemprego divulgados hoje pelo INE: 437,6 mil indivíduos desempregados e uma taxa de desemprego de 7,8 por cento para o 4.° trimestre de 2008, o que implica um número médio de apenas 427,1 mil indivíduos desempregados em 2008 para uma taxa anual de apenas 7,6 por cento. Digo apenas, face aos números esperados.
E a surpresa é maior quando temos presente as inúmeras notícias que todos os dias nos dão conta de uma onda generalizada de despedimentos e de um número cada vez maior de indivíduos desempregados que acorrem aos centros de emprego. E, se aqui cheguei a referir que sobre este facto havia uma grande confusão em toda a Comunicação Social, ele não deixava, no entanto, de ser um indicador que não pressagiava nada de bom para a evolução do emprego em Portugal.
Mas a surpresa aumenta quando nos lembramos das previsões de Bruxelas e do próprio Governo. Tal como aqui tive oportunidade de referir, uma previsão de uma taxa de desemprego de 7,9 por cento para o ano de 2008, segundo Bruxelas, pressupunha uma taxa de desemprego de 8,5 por cento para o último trimestre e um número de desempregados superior a 480 mil. E a previsão de 7,8 do Governo apontava para uma taxa de desemprego de 8,1 por cento e um número de desempregados superior a 460 mil. Tudo números muito superiores aos divulgados pelo INE.
Alguns economistas justificam estes números, ainda conservadores, pelo facto de o mercado de trabalho estar desfasado em relação ao andamento da economia, que como se sabe entrou em recessão técnica desde o quarto trimestre do ano passado e se estima irá permanecer em recessão ao longo deste ano.
No entanto, as notícias com despedimentos que chegam todos os dias empurram-me para outro lado. As estatísticas são o que são. Apenas estatísticas, números que obrigam a muitas leituras e releituras.
A mim, por exemplo, perturba-me a linearidade da evolução das populações activa, inactiva e empregada verificada ao longo dos últimos anos. Como se a população activa e inactiva evoluíssem apenas em função da população empregada.
E que representa uma alteração significativa ao comportamento destes indicadores até ao ano de 2004. A partir de 2006, verifica-se mesmo uma sobreposição das curvas de evolução da população desempregada e da taxa de desemprego. Nestas alturas, ponho-me a pensar. E quando dou por mim já não sei onde acaba a realidade e começa a ficção.
É que se a população activa no último trimestre de 2008 fosse igual à população activa do 2.° trimestre e o a evolução da população empregada tivesse evoluído de acordo com os números do INE, hoje, estaríamos a falar de uma taxa de desemprego de 8,2 por cento no 4.° trimestre de 2008 e de 461,6 mil desempregados. Para o ano de 2008, teríamos uma taxa de desemprego de 7,8 por cento, que é, provavelmente por mero acaso, igual à previsão do Governo. É que, segundo o INE, desde o 2.° trimestre de 2008, desapareceram da população activa 24 mil indivíduos, que, ao desaparecerem, dominuíram naturalmente o número de desempregados. Não é a primeira vez que aqui levanto esta questão. A alteração de comportamento da evolução da população activa a partir de 2004 e da sua influência na evolução da taxa de desemprego já aqui me mereceu alguns comentários.
Mas quanto mais lemos os números, mais a surpresa aumenta. É que apesar de uma ligeira diminuição da população empregada, quer em relação ao trimestre anterior, quer em relação ao trimestre homólogo de 2007, o número da população empregada por conta de outrem aumentou – mais 11 mil do que no trimestre anterior e mais 44 mil do que em 2007 – e esse aumento fez-se com o aumento dos contratos sem termo – mais 58 mil do que em 2007 – e uma diminuição dos contratos a termo – menos 14 mil. Afinal, nada com uma boa crise e um Código do Trabalho rígido para acabar com a frigidez.
Em 2008, segundo os dados agora revelados pelo INE, a economia gerou 28,1 mil novos empregos, em 2007, gerou apenas 10,2 mil, em 2006, gerou 36,9 mil e, em 2005, gerou zero. Ou seja, nos últimos quatro anos, a economia gerou 75 mil novos empregos, metade do número que Sócrates prometeu, mas o que fica bem claro é que não foi a crise que o impediu de cumprir a promessa. Bem pelo contrário. Em ano de crise, os resultados foram muito superiores a 2005 e a 2007. A não ser que os números hoje divulgados pelo INE não passem de pura ficção. Ou será que, com tanto branqueamento, tudo ficou cor-de-rosa?
á de moura pina