O Estado existe para servir os cidadãos e estes têm que se rever na capacidade positiva deste de legitimar uma relação de confiança essencial. Quando David Osborne nos fala da crescente oportunidade e necessidade de recolocar na agenda o “reinventing the government”, está claramente a colocar a tónica num dos elementos centrais da modernidade competitiva das nações. Importa mais do que nunca reposicionar o Estado como “pivô” central da organização, monitorização e funcionamento adequado das nações e aproveitar as dimensões qualificadoras do conhecimento, inovação e competitividade como atributos capazes de fazer reganhar a confiança estratégica do cidadão naqueles que o representam e têm uma responsabilidade superior na garantia de patamares adequados de qualidade de vida e desenvolvimento social.
A reinvenção estratégica do Estado, enquanto “plataforma de centralidade” onde convergem as dinâmicas de qualificação dos diferentes actores sociais, ganhou hoje um paradigma que não se pode cingir às especificações operativas de mecanismos mais ou menos necessários de Governo Electrónico ou de ajustamentos organizacionais adequados a determinados posicionamentos conjunturais de orgânica interna. Como muito bem nos elucida Samuel Hungtinton, a propósito do eventual choque de civilizações, o que está em causa é a capacidade endógena do Estado se auto referenciar como o primeiro antes de mais e último antes de tudo, centro de racionalidade dos processos sustentados de evolução da sociedade civil. Se é importante, como Francis Fukuyama não pára de reiterar, a evidência da capacidade da sociedade civil protagonizar dinâmicas de liderança nos processos de mudança, não menos verdade é que compete ao Estado modelar a dimensão estratégica dessa mudança.·
No quadro da Sociedade do Conhecimento e da Economia Global, cabe ao Estado o saber assumir de forma inequívoca uma atitude de mobilização activa e empreendedora da revolução do tecido social. Ou seja, independentemente da dinâmica de mudança assentar nos actores da sociedade civil e da sua riqueza em grande parte depender a estabilidade estratégica das acções, cabe ao Estado, no quadro duma nova coerência estratégica e duma nova base de intervenção política, monitorizar, acompanhar. Esta cumplicidade estratégica é essencial para a garantia de padrões coerentes de desenvolvimento e equilíbrio social. Nas sábias palavras de António Paim, emérito politólogo brasileiro, só assim se garante a verdadeira dimensão de confiança entre todos os que acreditam no futuro.
É neste sentido que a legitimidade de actuação e sustentação estratégica se torna central. Processos de compromisso e convergência entre uma base central forte e pontos de descentralização territorial autónomos e indutores de riqueza e bem-estar social a partir da inovação e conhecimento têm que ter por base uma forte relação de cumplicidade estratégica entre todos os actores do tecido social. Um compromisso sério entre uma capacidade natural de mobilizar e empreender e ao mesmo tempo uma vontade de tornar os processos estáveis nos resultados que potenciam. A modernização do Estado assenta em larga medida na capacidade de protagonizar esse desafio de mudança de paradigma.·
Há que fazer por isso opções. Opções claras em termos operacionais no sentido de agilizar a máquina processual e através dos mecanismos da eficiência e produtividade garantirem estabilidade e confiança em todos os que sustentam o tecido social. Opções claras em torno dum modelo objectivo de compromisso entre governação qualificada central, geradora de dimensão estabilizadora e indução de riqueza territorial através da participação inovadora dos actores sociais. Opções assumidas na capacidade de projectar no futuro uma lógica de intervenção do Estado que não se cinja ao papel clássico, dejá-vu, de correcção in extremis das deficiências endémicas do sistema mas saiba com inteligência criativa fazer emergir, com articulação e cooperação, mecanismos autosustentados de correcção dos desequilíbrios que vão surgindo.
David Osborne tem razão em insistir na actualidade e pertinência da chama da reinvenção do Estado. É essencial na Sociedade moderna do Conhecimento consolidar mecanismos estratégicos que façam acreditar. Cabe ao Estado esse papel. Encerra em si uma missão única de fazer da sociedade civil uma fonte permanente de mobilização de criatividade e inovação e de estabilização de participações cívicas adequadas. A governação é hoje um acto de promoção e qualificação da cidadania activa. Importa ao Estado ser relevante. Importa ao Estado constituir-se como um operador de modernidade. Por isso, nunca como agora a sua reinvenção é um desafio de e para todos. A Reinvenção do Estado é em grande medida a reinvenção da Nação.
Por Francisco Jaime Quesado
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