As parábolas de Jesus são narrativas breves, dotadas de um conteúdo moral e didáctico, utilizadas nas pregações e sermões de Jesus com a finalidade de transmitirem ensinamentos profundos. Sempre com grande simplicidade e brevidade. Poucas delas são longas. Normalmente tiradas da realidade do mundo cultural e social em que ele vivia, eram contadas com o propósito de transmitir verdades espirituais, ministradas com facilidade em todos os níveis sociais. Ele conhecia bem as diversas áreas da sociedade e sabia quais eram as suas necessidades. As suas mensagens estavam ajustadas à realidade que existia na sociedade que o envolvia.
Na parábola do “ Trigo e o Joio “ ( Mat 13,30. ) podemos ler: “Um homem semeou boa semente no seu campo. Enquanto todos dormiam, veio o seu inimigo, semeou joio no meio do trigo e foi-se embora. Quando o trigo cresceu e fez espiga, apareceu também o joio. Os servos do proprietário foram procurá-lo e disseram-lhe: "Senhor, não semeaste semente boa no teu campo? Donde vem, pois, o joio?" Ele respondeu: "Foi um inimigo que fez isso". Os servos perguntaram-lhe: "Queres, então, que vamos arrancá-lo?" Ele respondeu: "Não, para que não aconteça que, ao arrancar o joio, arranqueis também o trigo. “ Deixai que os dois cresçam juntos até à colheita. Apanhai primeiro o joio e atai-o em feixes para ser queimado; e recolhei depois o trigo no meu celeiro.”
Na explicação desta parábola é dito que a ceifa é o ” fim do mundo” e os ceifeiros são os anjos. Depois disto fica a dúvida se será preciso esperar pelo fim do mundo para se saber quem é trigo e quem é joio. Será que isto só se pode concluir no Julgamento Final ? Todavia se Jesus falava para seres humanos, postos a viver no “campo”, ou seja o mundo, como poderão eles comportar- se face à actividade maligna do joio? Viver colado a ele, uma vida inteira sem denunciar as suas traições a Deus e aos Homens ? Mesmo sabendo e sentindo dia a dia que o joio são os filhos do maligno e o inimigo, que semeou o joio, que é o diabo ? Através da nossa consciência, identificamos nesta parábola o dilema em que todo o ser humano vive, ou seja, entre o bem e o mal. Nem precisaria de leis feitas pelo Homem para o saber. Os sinos tocam quando fazemos o mal e a alegria invade-nos quando praticamos o bem. Como nos diz Jesus “ Aquele que tem ouvidos oiça”. Basta ouvir a voz que vem de dentro de nós . A voz da consciência !
Concentremo-nos agora na doutrina de Cristo e nesta parábola , como um caminho ideal para o cristão. Concordamos que é elevado, sublime, atractivo. Mas talvez nos tenhamos de interrogar: será possível viver assim na sociedade de hoje? Levar à letra o espirito e a palavra de Jesus nesta parábola ? Não será avisado apregoar que o mal parece ter prosperado nos nossos tempos ! Dentro de todo este campo de Deus, que é a Terra, herança de Cristo, o joio é imenso. Demasiado . Não apenas joio, mas abundância de joio! O mito do progresso irreversível deslumbrou-nos. Não fora, uma greve de camionistas, virar o mundo em dois dias, e nós assumiríamos que tudo o que temos é nosso ! Para sempre. Em testamento passará para os nossos descendentes ! Triste ilusão. Nada nos pertence. Somos pó, e em pó nos tornaremos. De mãos vazias !
Em boa verdade o trigo e o joio vivem, agora, como antes, lado a lado. Porém, o Homem experimentou, no último século um nível de bem-estar nunca antes atingido. O mais optimista do ser humano jamais o poderia imaginar. O chamado Estado social foi o responsável pela falsa sensação de segurança que o Homem abraçou. Reforma , subsídio de férias e desemprego etc. Nem tudo foram coisas boas, com elas, houve um certo “ vender a alma ao diabo” ! Na sociedade adquirida, o trigo e o joio deram as mãos. Foram promiscuamente cúmplices ! Perderam-se os valores porque o Homem perdeu a sua individualidade. Deixou de ser ele, para passar a ser um autómato às ordens das vozes de comando dos grupos. Dentro deles, cada Filho do Homem” é só mais um ! Adquiriu mais defesas mas perdeu a sua independência ! Passou a não poder denunciar os actos malignos do joio. As traições a Deus e ao próximo. Quando necessário, em sua defesa, o Homem permitia que “as vozes de comando” mandassem molhos de joio atacar quem tinha razão. Às vezes muitos molhos. Até para atacarem gente indefesa. Gente boa. Que era preciso destruir em proveito dos interesses de grupo. Muitos indefesos, são metidos em guetos. De onde jamais sairão !O mérito foi abolido. Só atrapalhava ! Era a lei do joio a impor-se ! Havia, claro, os proscritos ! Os que não descobriam a existência dos grupos, nem do joio. Os poucos que se recusavam viver a sua vida em conformidade com os mandamentos da lei de Deus. As crianças assustadas com os raptos. Sem espaço de liberdade. Os idosos sem o carinho da família. Mais o quê ? Há, mais Deus que passou a existir na sombra do joio. Ou melhor esquecido pelos grupos e pela sua lei ! Lei dos Homens e do joio!
Cristo anunciou a separação, entre o trigo e o joio, para o fim do mundo. Até lá não toquem no joio! Que fazemos então ? Fingimos não saber quem é o trigo ou quem é joio? É certo que a vida nos chamou nestes tempos, em que muito se fala de paz e não há paz: nem nas almas, nem nas instituições, nem na vida social, nem entre os povos. Fala-se continuamente de igualdade e de democracia e abundam as castas: fechadas, impenetráveis. Chamou-nos num tempo em que se clama pela compreensão e a compreensão anda arredia . Atravessamos uma época em que os fanáticos e os intransigentes - incapazes de admitir as razões dos outros - se põem a salvo, chamando de violentos e agressivos aos que são as suas vitimas. Chamou-nos, enfim, quando se ouve murmurar muito sobre unidade e talvez seja difícil conceber que possa tolerar-se maior desunião entre os próprios católicos, para não falar já dos homens em geral.
Nós, os cristãos, que devíamos estar vigilantes para que as coisas boas, postas pelo Criador no mundo, se desenvolvessem ao serviço da verdade e do bem, adormecemos - triste preguiça, tal sono ! -, enquanto o inimigo e todos os que o servem se movem sem descanso. O joio cresce a olhos vistos : que sementeira tão abundante espalhada por todos os sítios! Pelo mundo que está doido. Doido por prazer, preguiça e abastança ! Herdámos este mundo. Temos de estar despertos. Mais dispersos do que nunca. O joio há um século, presenteou-nos com uma nova droga. Que nos tornou mais dependentes do que da própria droga. Deu-nos o petróleo e dele estamos totalmente prisioneiros. Ele está em depleção. Exaurido. E agora . Onde estão as conquistas ? Para onde vamos se Deus nos abandonar. Como filhos de Deus crescemos e multiplicámo-nos !
Demos as mãos ao joio enquanto o inimigo e todos os que o servem se aconchegam e protegem. Como cresceu o joio ! Nem deixa ver o sol ! A sementeira espalhou-se por todos os sítios ! E nós esperámos pelo fim dos tempos para proclamarmos a nossa luta pelo mérito ? Pelo que é justo ? Virámos de vez racionalistas sem convicções entre o Bem e o Mal ? Mortos vivos ?
Ou será que terá chegado o fim dos tempos e com ele a justiça Divina ?
António Reis Luz