Conta a lenda que há muito tempo, talvez no tempo dos Afonsos, apareceu no vale do JAMOR uma pastorinha com o seu rebanho. Ninguém sabia de onde ela viera, mas também a ninguém interessava saber. E a pastora por ali ficou, achando o local propício para si e para as suas ovelhas.
Todas as manhãs pela aurora a pastora banhava-se na ribeira que atravessava o vale, límpida e cantante. Depois, durante o resto do dia, entretinha-se a cantar ou a correr atrás dos borregos. Por vezes parava horas a fio olhando os ramos das árvores ou observando os pardais a construir ninhos ou a dar de comer às crias.
No Inverno, quando o tempo custava mais a suportar, a pastora escondia-se com o rebanho sob as fragas, esperando que a chuva parasse, agarrada às suas ovelhas preferidas para manter o calor.
Assim passava o tempo a pastorinha que um dia chegou ao vale do JAMOR com um rebanho de ovelhas.
Certo dia, porém, passou por ali um cavaleiro (que alguns dizem que era o rei) em vistosa cavalgada, acompanhado de alguns moços de armas que iam MONTEAR no vale. Os olhos do cavaleiro deram subitamente com os da pequena pastora, que, encostada a uma árvore, bebia tranquilamente uma vasilha de leite. Surpreendido com a inesperada visão, o cavaleiro exclamou:
--Meu Deus, como será possível que tal beleza exista assim perdida neste vale?!
E, maravilhado, o cavaleiro tentou saber da pastora tudo quanto lhe dizia respeito:
--Onde vives, pastora?
--Por aí, senhor.
--Na aldeia, queres tu dizer?
--Não. Vivo aqui, no vale, com estas poucas ovelhas.
--A quem pertence o rebanho, pastora?
--A ninguém, meu senhor. Encontrei-o no caminho e seguiu-me até aqui.
--Não vais querer que eu acredite nessa história, mulher?! Diz a verdade!
--Senhor, acreditai que esta é a verdade!
O velho aio do cavaleiro, que ouvia a conversa, inquieto com o que parecia simples de mais, interveio:
--TENEDE cuidado, meu amo. A pastora mais parece o demónio a tentar-vos!
A rir, o cavaleiro respondeu-lhe:
--Ora, velho aio! Se o demónio fosse tão belo como esta mulher, fácil lhe seria tentar o mundo! Deixai-vos disso!
--Pois, meu amo, vamos ver se o que digo não é verdade! -- E virando-se para a pastora, que tremia, perguntou: Onde está a tua família, rapariga?
--Não tenho ninguém.
--Como te chamas?
Não sei, nunca ninguém me chamou...
--E as ovelhas, encontraste-as?
--É verdade, senhor.
--Pois vede, meu amo, se tudo isto não é muito estranho! Por mim, acho que deveis ter cuidado!
--Ora, velho medroso! Que há de estranho numa pastora que vive sozinha e não tem família. Depois...é tão bonita!
Enquanto isto dizia, o cavaleiro olhava a pastora, sentindo crescer em si uma ternura magoada e dolorida por haver quem fosse obrigado a viver em tal solidão. E num repente, como quem sente uma necessidade súbita e insuportável de suprir os desamores da vida, o cavaleiro disse suavemente à pastora:
--A partir de hoje nunca mais viverás só! Vou levar-te para a corte!
--Não quero sair daqui, senhor! Murmurou peremptória a rapariga.
--Pois então, virei eu viver contigo! Mandarei construir uma casa para ti e um redil para as ovelhas.
E, virando-se para os acompanhantes, ordenou: --Senhores, trazei vestidos e jóias, mandai vir pedreiros e artífice que quero uma casa aqui! E tu--acrescentou virando-se para um deles--; tu que sabes vestir e pentear, aninha a pastora!
Sem mais uma réplica, obedeceram os companheiros do cavaleiro--ou seria rei? No vale do JAMOR cresceu uma casa onde viveu o cavaleiro com a pastora que mandara aninhar. E à volta dessa casa surgiu, pouco a pouco, uma povoação que durante muito tempo se chamou Aninha - a - Pastora. Hoje, passaram-se os anos, esqueceu-se a lenda, e Aninha - a - Pastora chama-se Linda - a - Pastora.
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