“ O valor das ideologias “
“Cá pelos nossos lados a discussão das ideologias é recorrente. Vai que não vai salta para a ordem do dia. Quase sempre para apaziguar as angustias dos socialistas. Mas, agora, é mais sério. O PS vê as barbas do PCP a arder e trata de pôr as suas de molho. Só que a questão para os socialistas é mais complicada. Mário Soares, por ventura o mais “ousado” de todos em questões “ideológicas”, abriu o caminho mantendo cautelosamente o socialismo na gaveta. Guterres fez o resto. Deu no que todos sabemos. Apesar disso, Soares acaba de presentear-nos com mais uma das suas achegas ideológicas. Historicamente de fim de percurso e residual na essência (Expresso, 04.08). Os socialistas são filhos transviados de boas famílias ideológicas. Excelentes pensadores, invulgares humanistas. Mas as modernas gerações já não recordam sequer os nomes dos avós e não sabem onde pára a herança, que agora parece fazer-lhes falta. Venderam as jóias mas querem continuar a exibir os pergaminhos. Dizem-se socialistas com o mesmo despudor e falta de senso com que os renovadores se dizem comunistas. Nada de novo, porém. O socialismo que o “ideólogo” Soares meteu na gaveta era, já então, uma mera ficção. Eram os primórdios, de um pragmatismo oportunista e eleitoralista perfeitamente insultuosos. De fazer dar voltas na cova a todos os ícones socialistas. O PS passou a ser, como todos os seus congéneres, apenas, uma máquina de guerra no assalto ao poder. Para nada, afinal. A discussão ideológica mudou-se para restritos clubes de gente bem mais dados aos prazeres da discussão e da especulação do que aos destinos da governação, que sabem (hoje) não passar por aí. Perdido o poder, sem ideias, e fustigados por uma prática que quase os destruiu, os socialistas andam, agora, à procura de referências e não as encontram. Não admira que andem atarantados. Viram o PCP desfazer-se. Saltaram para a oposição e ninguém tem saudades deles no governo. A sua verdadeira ideologia é a procura do caminho mais curto de regresso ao poder.
Mas para lá chegarem precisam de publicitar uma qualquer banha da cobra. Lembraram-se agora, (alguns) da velha ideologia. Mas estão desacreditados de mais para serem levados a sério e falta-lhes a lata dos renovadores. Talvez por isso a grande maioria evite falar de socialismo e se limite a reclamar-se "“de esquerda"” O que tem, pelo menos, uma vantagem: demarcam-se por simples exclusão de partes. Não precisam de ideais, ideais ou ideologias.”
Correio da Manhã 6 Agosto 2002
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