O curso do discurso
Segundo alguns órgãos de comunicação social, a grande novidade do discurso de António Guterres na Doca de Faro teria sido o anúncio da sua candidatura às próximas eleições legislativas. Se assim foi, trata-se, em primeiro lugar de uma novidade sabida e, em segundo lugar, da única novidade desvendada em todo o discurso.
Na verdade, é difícil acreditar que alguém estivesse à espera de Guterres ir à Doca de Faro anunciar a sua intenção de avançar para a presidência da Comissão Europeia e também não se afigurava credível a hipótese de o líder do PS omitir essa questão no seu discurso. Ou seja: o que era previsível, inevitável mesmo, foi o que aconteceu. De resto, o curso do discurso foi o previsto e esperado: o engenheiro Guterres não disse nada de novo. Repetiu-se na super valorização da política de direita que tem vindo a praticar e na exposição das qualidades e virtudes do seu governo. Ao fim e ao cabo, repetiu-se e repetiu, na Doca, o que o então Primeiro Ministro Cavaco Sikva disse, repetidas vezes, no Pontal.
Foi assim que ouvimos pela enésima vez as referências à "confiança", ao "desenvolvimento", à "solidariedade", à "estabilidade" e assistimos, até, à insólita repescagem do mais que estafado "pelotão da frente". Foi assim, igualmente, que ouvimos o Primeiro Ministro discorrer sobre uma realidade virtual, sobre um país que só existe no seu discurso. Foi assim que ouvimos o engenheiro Guterres falar de Portugal como se Portugal não fosse, na União Europeia, o país onde os salários são mais baixos, onde o salário mínimo nacional é o mais baixo, onde as pensões e reformas são as mais baixas - como se Portugal não fosse, na UE, o país onde é maior o fosso entre ricos e pobres, e como se esta realidade não resultante da política de direita que quer o Ps quer o PSD têm vindo a praticar.
Neste discurso a dois que já entrou na sua segunda década e que tem, como traço comum essencial, complementar o auto elogio com a solene afirmação de fé de que "é preciso fazer ainda mais e melhor", talvez Guterres tenha superado Cavaco no número de referências a esta seguna parte. O que em nada favorece, antes pelo contrário, o actual Primeiro Ministro.
Como para Cavaco, também para Guterres a "estabilidade" é uma espécie de menina dos olhos - significando tal coisa para ambos terem as mãos livres para fazerem o que quiserem.
É uma evidência que as repetidas alusões de António Guterres à "estabilidade", estão a anos luz de distância do pressuposto de que a verdadeira estabilidade é a que decorre da resolução dos problemas e dos anseios da maioria dos portugueses e do respeito pelos seus direitos e interesses. Na realidade, quem se prepara para avançar com avançar com alterações à legislação laboral que configuram uma das maiores machadadas de sempre nos direitos dos trabalhadores, pensa numa determinada "estabilidade": numa "estabilidade" ao serviço do grande capital, numa "estabilidade" que permita ao grande patronato intensificar a exploração dos trabalhadores. Da mesma forma que quem avança com um processo de privatizações que entrega aos grandes grupos económicos, a preços de saldo, todas as empresas públicas rentáveis, em muitos casos utilizando métodos e práticas de mais que duvidosa transparência - é nessa "estabilidade" que está a pensar.
Assim, a "estabilidade" invocada pelo engenheiro Guterres é, acima de tudo, um semear de ventos que, mais tarde ou mais cedo, o obrigarão a colher as inevitaveis tempestades.
A total ausência de novidades - sempre em similitude com o discurso laranja - ficou igualmente patente na abordagem do Primeiro Ministro à questão do Orçamento de Estado. Ouvindo-o, no sábado passado, dir-se-ia estarmos a ouvi-lo há um , há dois, há três anos. "Não dramatizando", como é seu hábito, ameaçou que, caso se forme na Assembleia da República uma "coligação negativa que desvirtue a proposta governamental", "vai mesmo dramatizar". Se assim for, "que cada um assuma as suas responsabilidades" - desafiou, dialogante e conciliador. E sempre sem "dramatizar", sempre garantindo que "não faremos chantagem com os portugueses", considerou que "é legítimo exigir que os três partidos da oposição, tão diferentes entre si, não façam uma coligação negativa para desvirtuar a Orçamento de Estado", lembrando que na discussão dos orçamentos de 96, 97 e 98 "tivemos oportunidade de provocar uma ruptura, as sondagens davam-nos maioria absoluta, e não o fizemos"...
É claro que Guterres sabe que a aprovação do Orçamento de Estado - hoje como no passado - é tarefa da exclusiva responsabilidade dos partidos defensores da política que esse Orçamento serve, oe seja, do PS, do PSD e do PP. E sabe também que o PCP nunca foi nem será ajudante de um governo - seja ele laranja, ou rosa, ou de qualquer outra cor ou mistura de cores - que aplique essa política de direita.
Finalmente, e pensando bem ... novidade, mesmo novidade, houve uma na Doca de Faro: a substituição de Vangelis por Quim Barreiros como referência musical do PS. O seu a seu dono.
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