O inacreditável caso de furto de dois gravadores a jornalistas da revista Sábado pelo deputado socialista Ricardo Rodrigues arrasta-se há mais de três semanas como se nada de grave se tivesse passado. E sejamos claros: em qualquer outra democracia europeia (à excepção, talvez, da peculiar Itália berlusconiana), o famigerado Ricardo Rodrigues não só não teria já qualquer cargo de responsabilidade parlamentar, seja a de vice-presidente de uma bancada ou outro, como teria mesmo, e inapelavelmente, perdido a sua condição de deputado.
Ricardo Rodrigues cometeu um furto em plena Assembleia da República, no desempenho da sua actividade política, atentou de forma flagrante e primária contra o valor constitucional da liberdade de imprensa, abusou com intolerável arrogância do exercício dos seus restritos poderes, ultrapassou os limites da prepotência antidemocrática. Não chega?! O que precisa de fazer mais para provocar, entre os responsáveis políticos e parlamentares, um mínimo de indignação e a mais do que justificada punição: tem que sequestrar os jornalistas que lhe façam perguntas inconvenientes, torturá-los até deixarem de ser incómodos?
E Ricardo Rodrigues, registe-se, não é um incauto menino de coro vindo das berças, acabado de chegar ao Parlamento – é um deputado experiente, destacado por Sócrates e pelo PS para momentos de alta tensão na luta partidária e institucional. É por isso que se torna de um inverosimilhança patética o argumento de que se viu constrangido a resistir à «violência psicológica insuportável» das... perguntas dos jornalistas.
Percebe-se que este PS em fim de ciclo e em acelerada desagregação política e ética já tudo cale e tudo consinta. Mas custa ver uma figura como Jaime Gama a tentar lavar as mãos como Pilatos num caso desta gravidade. «É um assunto da Justiça», diz Gama. Não, não é. Antes de o ser, é um atentado à liberdade de expressão e uma ofensa à diginidade do Parlamento. «A relação entre políticos e jornalistas é do foro privativo», acrescenta Gama, procurando sacudir a lama do capote. Não, não é. É uma relação estruturante e fundamental, com regras invioláveis, numa sociedade democrática.
Como presidente do Parlamento, Jaime Gama não sente vergonha em manter na sua casa um deputado como Ricardo Rodrigues? É pena.
jal@sol.pt
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